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Com foco nos BRICS e no financiamento climático, o IE-Unicamp sediou uma semana de debates com especialistas e estudantes de diversos países do Sul e do Norte Global.

 

Por Davi Carvalho 

 

Entre os dias 25 e 29 de agosto de 2025, o Instituto de Economia da Unicamp promoveu uma semana de debates internacionais sobre os rumos do desenvolvimento global. A programação reuniu duas iniciativas articuladas: a International School on Development Challenges (assista), voltada aos BRICS e às dinâmicas geopolíticas emergentes, e o Workshop on Development Challenges in a Time of Climate Crisis, organizado em parceria com a rede IDEAs, com foco no financiamento climático e nos desafios enfrentados pelo Sul Global.

Ambos os eventos ocorreram em paralelo nos dias 25 e 26 de agosto, reunindo estudantes de pós-graduação e pesquisadores de diversas regiões do mundo. Na sequência, entre os dias 27 e 29, foi realizada a conferência internacional Financing Climate Action in the South: The Scope for Innovation (assista), uma iniciativa conjunta do IE-Unicamp, da rede IDEAs e do Political Economy Research Institute da University of Massachusetts Amherst (PERI/UMass). Os eventos reuniram uma centena de participantes e palestrantes de diferentes países, do norte e do sul global, para discutir alternativas concretas de financiamento da transição ecológica nos países em desenvolvimento.

Segundo o professor Célio Hiratuka, diretor do Instituto de Economia, a edição deste ano se destaca por vários aspectos. "Em primeiro lugar, pela consolidação de parcerias internacionais importantes. Ter o envolvimento da Higher School of Economics, da Durban University of Technology e da Fudan University na trilha sobre os BRICS foi fundamental. E na trilha sobre financiamento climático, tivemos a parceria com o IDEAs e o PERI-UMass, o que mostra que o IE se consolida como um hub importante nas discussões sobre desenvolvimento em nível internacional”, pontuou.

Além das mesas temáticas, os eventos promoveram um ambiente de interação entre jovens pesquisadores de países como África do Sul, Rússia, Índia, China e Brasil, por meio de fóruns acadêmicos, apresentações de trabalhos e espaços de troca informal. Os temas abordados ao longo da semana incluíram governança global, reforma da arquitetura financeira internacional, inovação no Sul Global, transição energética, desigualdades socioeconômicas e novos arranjos institucionais para lidar com os efeitos da crise climática — sempre sob a ótica da crítica às soluções impostas pelo Norte Global.

 

BRICS, inovação e disputas por modelos de crescimento

 

A parte inicial da Escola, dedicada aos BRICS, retomou debates estratégicos sobre a posição do grupo no atual sistema internacional. A conferência de abertura tratou da crise da governança global e das alternativas em disputa, discutindo o papel dos países emergentes na reconfiguração das regras do comércio, da política monetária e dos fluxos de capitais. Ao longo dos dois dias, foram discutidos também os sistemas de inovação dos países do bloco, suas trajetórias de industrialização, os entraves à cooperação multilateral e as experiências nacionais na reforma do sistema monetário e financeiro internacional.

A discussão sobre inovação foi marcada por análises do caso chinês como exemplo de estratégia estatal de longo prazo voltada à criação de capacidades produtivas e tecnológicas em setores estratégicos. Foram apresentados dados sobre o crescimento do número de patentes e o uso combinado de subsídios, planejamento descentralizado e competição entre governos locais como motores do avanço tecnológico chinês — uma trajetória que contrasta com o discurso liberal predominante em países centrais e aponta para a possibilidade de modelos híbridos de política industrial.

Outros momentos relevantes incluíram o debate sobre os BRICS 70 anos após a Conferência de Bandung, que recuperou os vínculos históricos entre as lutas anticoloniais e a busca por novas formas de cooperação entre países do Sul. A centralidade da agenda de autodeterminação, soberania e crítica ao unilateralismo apareceu recorrentemente como linha de força, reafirmando o papel que os BRICS podem desempenhar não apenas como plataforma econômica, mas como arena para a construção de um novo multilateralismo.

 

Clima, finanças e a urgência de alternativas para o Sul Global

 

A segunda parte da agenda aprofundou as discussões sobre o financiamento climático. A conferência internacional Financing climate action in the South: The Scope for Innovation reuniu especialistas em economia política internacional, desenvolvimento e finanças para discutir os limites do atual sistema financeiro na mobilização de recursos para ações efetivas de combate às mudanças climáticas.

As sessões discutiram temas como a falência dos mecanismos multilaterais existentes, os riscos da financeirização da agenda climática, a insuficiência dos fundos globais para países em desenvolvimento e os dilemas das estratégias de blended finance. A proposta de swaps de dívida por clima, o uso de green bonds e as perspectivas da taxação climática também foram objeto de intensos debates, especialmente no que diz respeito à viabilidade de tais instrumentos em contextos de alta desigualdade social e vulnerabilidade externa.

Durante as exposições, foi recorrente a crítica à arquitetura financeira internacional vigente, considerada incapaz de prover os recursos necessários para transformar estruturalmente as economias do Sul Global. Em contraste com a ideia de transição verde liderada pelo setor privado, defendeu-se a centralidade dos bancos públicos, da coordenação multilateral entre países em desenvolvimento e do fortalecimento de instituições nacionais para garantir a soberania no planejamento de longo prazo.

Para Bruno De Conti, professor do IE-Unicamp e um dos organizadores da escola, neste ano, houve um aprofundamento dos debates sobre os BRICS e o financiamento climático. "O que a Escola trouxe de novo foi justamente a articulação entre essas duas agendas — que não são separadas. Discutimos, por exemplo, como a cooperação Sul-Sul pode contribuir para novos modelos de financiamento da transição ecológica, e qual o papel de instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento nesse processo. O Instituto de Economia se posiciona, assim, como um espaço internacional de diálogo entre pesquisa, formulação de políticas e formação de jovens lideranças", destacou.

 

Formação, redes e impactos futuros

 

Com estudantes selecionados de universidades do Brasil, África do Sul, Rússia, Índia e China, além de docentes de destaque em universidades do hemisfério Norte e do Sul, a iniciativa promoveu uma experiência formativa marcada por intercâmbio intelectual e articulação de redes. Foram dias intensos de reflexão sobre os desafios de pensar o desenvolvimento a partir do Sul, com base em perspectivas críticas e experiências históricas distintas, mas convergentes em sua recusa à lógica de subordinação vigente.

Para Célio Hiratuka foi também um momento importante de impacto formativo. “Ao retornarem a seus países de origem, esses jovens pesquisadores poderão levar adiante esse conhecimento e se engajar em ações transformadoras frente a uma realidade muito desafiadora, seja em relação à ordem internacional, seja em relação às mudanças climáticas, como as diversas sessões da Escola destacaram”, finalizou.